A longevidade: uma cultura imaterial

Liliane Longman Por Liliane Longman

Produzir vida na longevidade sem omitir e esconder as fragilidades do nosso corpo, praticando o exercício da gratidão do que a vida nos deu e dos que os outros nos presentearam (Foto: Freepik/Banco de Imagens)

Geral, publicado em 19/12/2019

Ressignificar o envelhecimento passa necessariamente por entender a longevidade como um bem simbólico, geradora de novas subjetividades, sabedorias, conhecimentos e informações construídas por uma geração que viverá mais que 20 anos em relação às anteriores. 

Nesse cenário, podemos pensar também na longevidade como um produto, no mesmo patamar definido por Pondé (2019): “A longevidade é um produto como a última geração de Iphone”. Ou seja, como um “plus”, como um legado, como marcadores importantes do nosso envelhecimento.

Este bem imaterial, que é a longevidade, é preciso ser  vivido com sabedoria, sem medo dos prazeres e dores da vida e sem nunca perder a dimensão da alteridade.

Digo sem medo porque somos obcecados pela felicidade. Esse ideal de felicidade que construímos na nossa contemporaneidade, muitas vezes não nos permite viver as dores das perdas, o desespero de algumas situações trágicas, o luto, o fracasso…

Se a longevidade vem nos desafiando a viver mais tempo, isso necessariamente nos obrigará a dar um sentido mais profundo a nossa vida e começar a entender o lamento como melodia. Se vivemos experiências difíceis, precisamos significar para mudar a música. Fomos o que podemos ser naquele contexto, naquele momento difícil. Essa lição, os budistas nos ensinam há milênios.

Entendemose queremos viver a nossa contingência de sujeitos longevos nas suaspossibilidades e impossibilidades de ser, que é o oposto de necessário. Comisto queremos dizer que não somos iguais e que não existe só uma forma de ser eestar no mundo.

Como viver é uma eterna ambivalência, precisamos assumir na longevidade a responsabilidade de ter muito que ensinar, porém muito mais que aprender.

É preciso inventar uma nova cultura do envelhecimento, um novo saber, começando a quebrar os antigos estigmas.

Indicadores

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Para romper essas velhas representações do ser idoso, alguns dos nossos produtos merecem ser apresentados. Destaquei alguns indicadores retirados de uma pesquisa americana, publicada no New England Journal of Medicine, realizada em 2018, em que se interpreta a longevidade como uma celebração, como bem simbólico dotado de sabedoria, conhecimento e informação.

Por exemplo; pessoas entre 60 e 70 anos fazem trabalhos mais produtivos do que quando eram mais jovens; que a média de idade de um CEO em empresas americanas é de 63 anos; que a média de ganhadores de prêmio Nobel no mundo é de 62 anos.

Aindamais, somos hoje 125 milhões de homens e mulheres que ultrapassaram os 80 anos.Querem mais?

Somos a terceira economia do planeta e reinventamos uma nova tribo e cultura definida como Perennials, para quem a maturidade é um novo começo e não um fim. Uma espécie de segundo round. São pessoas com estilos de vida independentes das opiniões da maioria e pouco ligados à idade.

São inclassificáveis, como todos nós desejamos ser.

Sentido na vida

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Outro produto importante da longevidade, talvez o maior, é de sempre buscar um novo pertencimento e sentido na vida, assumindo nosso legado, nossas conquistas e revoluções: na sexualidade, no avanço do feminismo, na defesa de uma sociedade mais igualitária, no rompimento com o casamento indissolúvel, nas questões de gêneros e tantas outras.

Produzir vida

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Produzirvida na longevidade sem omitir e esconder as fragilidades do nosso corpo,praticando o exercício da gratidão do que a vida nos deu e dos que os outrosnos presentearam.

Produzir vida na longevidade é começar a cultivar os períodos de mais liberdade, mais alegria, mais amigos e mais leituras e arte para se inspirar. É construir crenças e significados sobre os nossos modos de vida e as manifestações da nossa variabilidade humana.

Viver a longevidade

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Viver a longevidade para que possamos saborear os nossos 70, 80 e quiçá 90 anos com menos orgulhos e vaidades e com pessoas que nos valorizam e nos tornando cada dia mais, sujeitos melhores para servir o outro.

Viver a longevidade é estar conectado a novas experiências de realidade maior como da natureza e sempre exercitar as memórias das nossas histórias para serem ressignificadas e recontadas através de experiências compartilhadas.

Aprender na longevidade

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Aprender na longevidade a se apropriar das novas tecnologias, mesmo sabendo dos impactos às nossas subjetividades. Fazer uso delas, mas principalmente questionar e denunciar os danos e ganhos na dimensão ética e dos perigos de já estarmos vivendo uma “ditadura da tecnologia” (Harari).

Temos consciência que as novas tecnologias, especialmente a internet, mudou a forma que nos comunicamos, nos relacionamos, comprarmos, estudarmos, pesquisarmos, escrevermos, compartilharmos amigos antigos e novos… E como tudo isso afetou drasticamente o controle do nosso mundo privado e dos nossos relacionamentos presenciais, tornando-se um risco para a humanidade.

Por um outro lado, dominar e usar esses instrumentos tecnológicos pode nos conectar mais e construir outras formas de relacionamentos. Para alguns pode também ajudar a diminuir os danos da solidão.

Longevidade sem máscaras

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Queremos na longevidade viver sem máscaras e rancores, quer dizer, viver experiências de não nos compararmos com o outro.

As comparações são sempre cruéis. Alguém sai perdendo. Não existe alteridade nas comparações e, para viver a longevidade como um bem simbólico, precisamos produzir diferenças culturais e sociais que enriquece a humanidade com mais solidariedade e mais compartilhamento.

Utopias na longevidade

Foto: Freepik/Banco de Imagens

Por fim, quero defender a utopia na longevidade como nossa maior conquista no tempo de vida e da oportunidade de amar mais e nos tornar mais humanos.

Os pós-modernos dizem que as utopias foram enterradas. Preferimos concordar com Oscar Wilde que dizia que “um mapa geográfico do mundo, sem o país da utopia, não merece sequer ser olhado.”

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