Geração Xmais visita painel gigante criado por coletivo de artistas no Recife

Geração Xmais Por Geração Xmais

A obra, intitulada 'Um Recife Conectado' está está afixada no Empresarial ITBC (Information Technology Business Center), no Bairro do Recife, e foi fruto de um processo coletivo: 20 artistas pernambucanos participaram da produção do painel (Foto: Jerônimo Poggi/Geração Xmais)

Geral, publicado em 7/11/2019

Produção de Anamélia Poggi e Liliane Longman

Texto de Liliane Longman

No último dia 31 de outubro, foi inaugurado um painel de 10 metros quadrados, no Portal da Softex, no Bairro do Recife. Localizado na Rua da Guia, foi aberto ao público para que possamos apreciar tamanha beleza. O painel retrata as pessoas que fizeram a história desse lugar e perseguiram por 10 anos um sonho.

O artista plástico, de origem holandesa, radicado há muitos anos no Recife, foi convidado para criar um painel com todas as pessoas que participaram ativamente desse processo. Ploeg ampliou esse convite aos seus alunos para construírem juntos. Vinte aceitaram e participaram deste trabalho.

Roberto Ploeg inspirou-se em A Ronda Noturna, de Rembrandt, um dos quadros mais celebrados no mundo. A popularidade desse quadro é tamanha que sofreu três atentados. Rembrandt, em 1642, pintou A Ronda Noturna ou A Ronda da Noite, na Holanda do século 18, por encomenda de uma das milícias da época. Pertencer às milícias civis era sinônimo de prestígio social e político. Foi um destes grupos, neste caso o de Amsterdã, que, em “1639, comissionou Rembrandt para imortalizar os seus 18 membros, sob o comando do capitão Frans Cocq, numa pintura que seria colocada na sala de reuniões da companhia”. Muitas são as explicações e narrativas para descobrir essa atração do público por essa obra de arte.

Para Ploeg, na construção do Painel da Softel e de qualquer obra, é preciso seguir alguns critérios relevantes. Uma das belezas e explicações do autor que me tocaram foram as posições das cabeças dos personagens que variavam como notas musicais, junto com suas cores e posições criando uma melodia.

Comecei a ouvir a música. Ainda faltava para o artista descrever o maior desafio de uma obra para se tornar arte. Era preciso criar uma narrativa interna de comunicação entre os personagens pintados para que o espectador pudesse se comunicar com o painel e fazer a sua própria narrativa. Para ele, é assim que a arte funciona.

Depois dos aplausos, pudemos nos aproximar do painel e conferir a aula que tínhamos acabado de receber. Somos tietes dos seus quadros e faltou muito pouco para comprarmos O Jardim das Freiras alguns anos atrás.

“Foram 40 mãos que pintaram o painel com pinceladas diferentes,” segundo Ploeg. Para mim, sem possuir um olhar alfabetizado de uma artista e especialista capaz de ver todas as diferenças nas 20 pinceladas, só consegui ver a marca da beleza que se eterniza nas cores e movimentos das figuras retratadas por Roberto Ploeg.

Confira a galeria de fotos produzida por Jerônimo Poggi:

Saiba mais

O painel gigante retrata personagens da história do Porto Digital, principal polo de tecnologia do Nordeste. A obra, intitulada ‘Um Recife Conectado’ está está afixada no Empresarial ITBC (Information Technology Business Center), no Bairro do Recife, e foi fruto de um processo coletivo: 20 artistas pernambucanos participaram da produção do painel. O projeto foi idealizado e coordenado pelo artista Luiz Rangel, há cerca de seis meses, e o mural teve supervisão artística do holandês, radicado em Pernambuco, Roberto Ploeg.

O painel em óleo sobre tela é assinado por Agenor Martins, Ana Bosch, Ana Maria Sobral de Freitas, Célia Bivar, Célia Campelo, Avelina Grunberg, Fabíola Pimentel, Lena Costa Rêgo, Luiz Rangel, Marcos Santos, Michelle Gil, Michelle Medeiros, Nadja Oliveira, Pietro Severi, Roberto Ploeg, Sheyla Camargo, Tereza Perman, Vera Caldas, Virgínia Collier de Mendonça e Zete Mota.

Confira os depoimentos dos artistas:

Ana Maria Sobral de Freitas
“Foi uma grande oportunidade que tivemos, como pintoras, alunas de Ploeg, de participarmos desse trabalho coletivo, que nos enriqueceu com um aprendizado inestimável, a nível técnico tanto na relação aluna/professor como na relação aluna/aluna, permitindo-nos uma troca permanente de conhecimentos e experiências.”

Virgínia Collier de Mendonça

“Participar da obra Recife conectado foi um aprendizado único, e o mestre Ploeg mostrou a sua maestria, nos levando a conhecer da pintura histórica de Rembrandt e Velasquez, e no aprimoramento das técnicas de pintura a óleo, incentivados pelas observações, do mestre e de cada um dos artistas ao final de cada sessão, o que nos fez aprender mais e valorizar as diferenças, o que se vem a notar nos retratos dos diferentes personagens, preservando características de cada um no trabalho coletivo. Ana Ploeg nos acolheu neste desafio encarado. E viva a arte! Que venham outros trabalhos.”

Célia Bivar

“Foi o melhor que pode acontecer na arte. Vejo companheirismo nesta experiência.”

Vera Caldas

“Desde os 10 anos, com pincel na mão, fui aluna de Lula Cardoso Aires e, nesta vivência do trabalho em conjunto, senti o quanto tudo entusiasmou a todos.”

Um Recife Conectado

Por Roberto Ploeg

O painel “Um Recife Conectado” foi desde o início um projeto pensado e executado coletivamente. Somos 20 pintores, 15 mulheres e 5 homens. A assinatura Atelier Ploeg dimensiona a coletividade e é como se fosse um selo de qualidade e autenticidade. Optamos pintar aquilo que sabemos fazer: pintura em óleo sobre tela com preferência pela figura humana. Fizemos um retrato de grupo num estilo realista. Uma homenagem, claro, limitada e não exaustiva, às pessoas que tiveram e tem um papel significativo na construção deste novo porto do Recife, o Porto Digital, e, em particular, deste prédio empresarial do ITBC e sua ocupação pelo Softex Recife.

Para fazer um bom retrato de grupo precisamos atender alguns critérios. Primeiro, preservar o caráter do retrato individual. Pintamos 26 personagens, praticamente, todos de figura inteira, da cabeça aos pés, algo raro neste gênero da pintura. Pintura feita com muito afinco, dando atenção à semelhança, usando a mesma paleta de cores, com ligeiras diferenças no manejo do pincel.

Em segundo lugar, o grupo precisa ser situado numa cena unitária. Escolhemos como cenário o arrecife, o recife com letra minúscula, que é, ao mesmo tempo, metáfora para o Recife com letra maiúscula. O farol da Barra significa orientação, guia, signo para novos tempos do porto e da cidade. Um recife conectado.

Em terceiro lugar, criar uma composição coerente. As pedras do recife nos ofereceram a possibilidade de criar quatro planos de espacialidade na pintura e de variar as posturas dos retratados. A linha do horizonte do mar e o friso na base do farol são duas linhas horizontais que servem de referência para as notas musicais que são as cabeças das pessoas. As cores das vestimentas dão vibrações variadas. No meio de muitos azuis destacam se as cores claras, brancas e amarelas, e as vermelhas. Assim a pintura ganha melodia e ritmo.

O quadro “a Ronda Noturna” (1642) de Rembrandt (1606-1669), uma pintura icônica quando se trata de retrato de grupo, nos serviu de inspiração. Claudio Marinho e Chico Saboia assumem as poses do capitão Frans Banninck Cock e do tenente Willem van Ruytenburg, os dois comandantes daquele grupo de defesa civil do II distrito da cidade de Amsterdã. Eles estão num caminho pavimentado e Claudio indica uma direção. A linha diagonal do braço de José Cláudio Oliveira tem a importância da diagonal do estandarte na Ronda Noturna. Ela leva o olhar para o farol. Tem uma menina misteriosa no quadro de Rembrandt, numa luz dourada, com uma galinha morta amarrada na cintura, sendo o pé da galinha alegoria para o nome do grupo, “kloveniers”.

Nós pintamos também uma menina, bem no centro do quadro, a única figura em movimento, alegoria para as gerações vindouras, ela pula de uma pedra para outra onde aparece um caranguejo, marca da nossa Manguetown. Trouxemos da Ronda Noturna até um cachorro, aí tranquilo aos pés de Geraldo Andrade.E dois autorretratos de gente enxerida como Rembrandt também fez, meio escondidos nos olhos de boi do farol.

O quarto e talvez mais importante critério é elevar o retrato de grupo a uma pintura de gênero histórico através de narrativas internas. Precisa acontecer algo no quadro, as pessoas precisam se relacionar, se comunicar para que a gente, espectador, se relaciona com o quadro. Temos pai e filho olhando o celular, pai e filha com o mesmo olhar sorridente, tia e sobrinha, “cuidada aí, menina, tu cai!”, temos guardiões nos extremos, Salvador e Galego, dois vice-diretores do Softex numa conversa animada, uma subida na composição com três amigos indicando uma mesma direção, o presidente do Porto Digital no topo com a camisa do REC’n’Play, uma descida com homens cujas pernas formam uma escada, homens, por sinal, muito contidos com suas mãos cruzadas e no meio deles uma mulher que diz sou mão aberta, desarmada, disposta para fazer o futuro que precisa vir. Um futuro que deve ter uma maior equiparação de gênero e superação do racismo estrutural. Só assim um recife conectado pode conectar o Recife. Espero que cada espectador na sua observação completa o quadro com sua própria leitura e narrativa pessoal.
* Roberto Ploeg – Olinda, 31 de outubro de 2019

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